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Felipe Freire Rozane Monteiro |
Rio - Quando foi eleito prefeito de Niterói pela primeira vez, em 1988, Jorge Roberto Silveira (PDT), 59 anos, ainda era chamado de “Jorginho” pelos eleitores mais velhos. Era herança do carinho que a capital do antigo Estado do Rio tinha por seu pai, o governador Roberto Silveira (PTB), morto em acidente de helicóptero em 1961, aos 37. Eleito em 1958, Roberto iria sobrevoar áreas castigadas pelas chuvas. Em seu 4º mandato, Jorge Roberto ainda se vale do antigo jingle de campanha — “É mesmo um caso de amor” — para falar da relação com Niterói. Mas amarga altos índices de rejeição, resultado do estrago que as chuvas de 2010 causaram em sua administração — o chamado Fator Morro do Bumba, onde morreram 48 pessoas. Na época, ele foi acusado de se omitir quando a cidade mais precisava dele e, pior, de ter deixado a tragédia acontecer. Num raro desabafo, admite que não teve sangue frio suficiente para lidar com a crise, mas garante que não sabia dos riscos no Bumba. Fala do câncer que descobriu naquele ano trágico e diz que vai virar o jogo. Ah, sim, ele jura que não tem casa em Miami. Nem hora para acordar.
Foto: João Laet / Agência O Dia |
O DIA: Qual a última lembrança que o senhor tem de seu pai, o governador Roberto Silveira? (Silveira foi eleito em 1958, pelo PTB, e morreu em acidente de helicóptero em fevereiro de 1961, quando iria sobrevoar uma área alagada pelas chuvas)
JORGE ROBERTO: – Sempre que meu pai saía de helicóptero, eu ia com ele. Na véspera do acidente, ele disse: “Você vai dormir cedo porque amanhã nós vamos andar de helicóptero. Eu adorava andar de helicóptero. No dia seguinte, acordei, tomei café, e a gente estava lá no Palácio Itaboraí, que era a sede de veraneio do Governo do Estado. O gabinete do governador era no térreo. Desci e, pela janela, vi que ele estava tenso, realmente preocupado. Aí, eu falei com ele: “Eu estou pronto”. Ele disse: “Desta vez, você não vai.” Eu perguntei: “Por quê?” Ele: “Porque não vai”. E eu falei: “Então, tá. Vai com Deus.” E fui brincar. Foi a única vez que não fui com ele. Logo depois, vi aquela correria dentro do Palácio, e um mordomo chamado Alemão estava em prantos. Perguntei: “Por que o Alemão está chorando?”. Falaram: “Houve um problema com a família dele.” Aí, começou a chegar gente. Eu tinha 8 anos.
O senhor está em seu quarto mandato como prefeito de Niterói. O senhor acha que tanto tempo no poder causa um desgaste natural à imagem do político?
A minha relação com a cidade é uma relação mais do que administrativo-política, é uma relação afetiva. Nesse mandato, nós tivemos muitas dificuldades que não tivemos nos outros mandatos. Eu tenho certeza de que, se fosse outro prefeito, a aprovação do governo seria muito superior ao que é. Mas, como sou eu, a população sempre espera mais. Quando eu tomei posse, eu já comecei herdando (do antecessor, Godofredo Pinto, do PT, que já foi seu vice-prefeito e agora é oposição) uma dívida de R$ 85 milhões, o que ia significar mais de 10% do orçamento. Então, o primeiro ano (2009) foi um ano perdido, quando a gente teve que segurar, arrumar a casa. A prefeitura estava sem dinheiro. Quando começou o segundo ano (2010), eu sofri dois baques: um companheiro meu, muito importante na estrutura política e administrativa (o subsecretário de Transportes, Adhemar Reis), foi assassinado. No mesmo dia (20 de janeiro) em que minha secretária de Administração e presidente do PDT municipal, Eva Ramos, uma pessoa insubstituível, teve um AVC muito violento e está me fazendo muita falta. Em abril, a gente ia começar o programa de governo, estava tudo certo, quando houve a segunda maior tragédia da história de Niterói (a maior foi o incêndio do Gran Circus Norte-Americano, em 1961, quando morreram mais de 500 pessoas), que foi a questão das chuvas. Com isso, o foco do governo teve que ser totalmente alterado. Logo no início, a gente conseguiu viabilizar 93 apartamentos em Várzea das Moças para uma parte das famílias (que ficaram desabrigadas). Agora, em abril, vamos entregar mais 180 apartamentos, ao lado do Morro do Bumba, numa parceria com o governo do estado. E estamos constituindo uma comissão para definir quem é que vai (para os apartamentos). Tem gente de várias comunidades — Morro do Bumba e Morro do Céu, por exemplo. Para a comissão, a gente está convidando Ministério Público, associações de moradores... porque, qualquer que seja a solução, vai ter reclamação, vai ter crítica. Então, é melhor fazer com que todos participem dessa escolha. Espero que essa comissão comece a atuar na semana que vem.
O Morro do Bumba foi o mais atingido pelas chuvas de abril de 2010?
O Bumba acabou ficando como um símbolo, ficou muito focado pela televisão. Morreram 187 pessoas ao todo. No Bumba, morreram 48. Claro que ali, pontualmente, foi o lugar onde morreu mais gente. Mas morreu gente na cidade inteira. Foi uma tragédia sem precedentes.
Na época, houve quem o chamasse de “assassino” porque o senhor “sabia” que uma tragédia poderia acontecer no Bumba. O que o senhor tem a dizer?
Foi quase um linchamento. Fica claro o caráter dessas pessoas, porque explorar uma tragédia daquele porte fazendo esse tipo de comentário, de afirmação, é de uma leviandade atroz. Disseram que, na época do Godofredo, a UFF tinha feito um estudo alertando para a questão do Morro do Bumba. Mas o reitor (Roberto Salles) convocou uma entrevista coletiva na reitoria para dizer que isso não era verdade. Dois professores da UFF tinham falado que tinham feito estudo, mas não tinham feito estudo. O estudo foi parcial. Esse estudo não existiu dessa forma. Não citava em nenhum momento o Morro do Bumba. Só falava que a cidade de Niterói, como o Rio de Janeiro, é uma cidade muito acidentada: a parte plana é muito pequena, 70% da cidade eram passíveis de ter um problema de terra. Por exemplo, onde eu moro, na Boa Viagem, estava numa área considerada mais crítica que o Morro do Bumba pelo estudo. Mas eles não citavam o Morro do Bumba. E eles mostraram que tinha havido na história da cidade dois problemas de queda de terra em que houve morte: um foi na Vila Ipiranga e outro em Jurujuba, há muitos anos. Niterói nunca teve tradição disso. Por isso, nossa Defesa Civil era pequena. Nenhuma das áreas onde houve problema era citada nesse estudo. Disseram uma coisa que não era verdade, tanto que o reitor desmentiu os dois (professores).
O senhor já declarou que administrou mal a crise na época. O que aconteceu exatamente?
Eu acho que eu administrei mal aquele momento até por ter esse ‘caso de amor’ com a cidade. Você imagina o seguinte: você se elege prefeito todas essas vezes — eu tive 60% dos votos em 2008 e, em 96, eu tive 77% dos votos —, então, quando acontece um negócio desse na sua casa — porque Niterói é a minha casa... A quantidade de gente que me queria bem e que morreu foi um negócio anormal. Até aqui, no gabinete, um menino perdeu dois filhos no Bumba. Eu fiquei impactado, mesmo, com aquilo. E, ao mesmo tempo, eu estava sendo acusado de ter conhecimento pelo estudo da UFF, que não existia. Eu fiquei, ao mesmo tempo, impactado e indignado. Eu queria dizer: “Eu nunca menti para essa cidade: se eu estou dizendo que não tinha estudo, que ninguém sabia disso, eu não estou mentindo, eu estou falando a verdade”. Mas a minha preocupação não tinha que ter sido essa. O prefeito tem que exercer, em determinados momentos, um papel que é mais que um administrador. Eu acho que, naquele momento, a cidade estava precisando de um pai. E eu não fui esse pai. Eu fiquei tão chocado quanto o resto da cidade.
Que notícia o senhor recebeu logo após a tragédia?
Em maio (de 2010), me chega um médico muito simpático e diz que eu tenho um câncer na garganta — na faringe. Mas, felizmente, eu estou curado. Eu detectei no início, e a operação foi feita pelo melhor cirurgião que poderia ter sido: Jacob Kligerman. Ele tirou o tumor, tirou mais um centímetro em volta, e eu entrei num tratamento de radioterapia para matar mesmo o troço. De três em três meses, vou lá para ele dar uma olhada. Ele disse: “Você está completamente curado”.
O senhor é candidato à reeleição?
Sou candidato. Mas eu não estou pensando nisso agora. Não é bom para a administração que eu pense nisso agora. Vou pensar nisso daqui a uns dois ou três meses. Ser candidato à reeleição é uma coisa absolutamente natural. Mas eu tenho que me concentrar na administração, sobretudo porque acho que a gente já atravessou a tormenta, e o momento agora é de dar a volta por cima. Eu não posso perder esse foco agora.
O presidente regional do PMDB, Jorge Picciani, já disse que o partido apoia o senhor. O governador Sérgio Cabral (PMDB) deve apoiar o secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Rodrigo Neves, pré-candidato do PT a sua sucessão. Como o senhor vê isso?
Primeiro, eu não me meto na economia interna dos outros partidos. Isso é um problema do PMDB. A minha relação com o governador tem sido a melhor possível. Minha relação com o presidente Picciani é a melhor possível também. Eu acredito que não há nenhum motivo para o governador participar dessa campanha de Niterói porque as três candidaturas colocadas são de pessoas aliadas a ele. São dois secretários (o de Trabalho, Sérgio Zveiter (PSD), também é pré-candidato). E tem a Prefeitura de Niterói, que está alinhada com ele. Acho que ele vai ter uma postura neutra.
O senhor tem medo da máquina, que deve ficar do lado do Rodrigo?
Acho que esse negócio de máquina não é uma coisa decisiva. Na minha primeira eleição de prefeito, eu tive 56% dos votos, disputando com oito candidatos, contra a máquina municipal, contra a máquina estadual e contra a máquina federal. Nessa última eleição (2008), eu novamente disputei contra a máquina municipal e contra o governo do estado — aí, sim, Cabral fez uma campanha ativa (para Rodrigo Neves) — e o governo federal. Isso não altera. O candidato pode, eventualmente, se beneficiar do prestígio que dá este ou aquele cargo e tal, mas não é fundamental.
Seu secretário de Governo, Comte Bittencourt, pode ser candidato a vice?
Eu adoraria. Como eu adoro também meu vice atual (José Vicente), que foi indicado por ele. O natural é que o Comte indique o vice. Se ele quiser ser candidato, ótimo. Mas acho que ele vai indicar de novo o José Vicente.
Que fim levou o projeto dos 15 pórticos de segurança orçados em quase R$ 50 milhões?
Não existe condomínio em Niterói, você tem loteamentos. Mais cedo ou mais tarde pode ter um prefeito que mande abrir as porteiras, isso é área pública. A ideia é formalizar e criar a figura do condomínio fechado e eles bancarem o grande ‘condomínio’ que é Niterói. Da mesma forma que eles irão se proteger, eu reconheceria o direito de fecharem as ruas internas. Da mesma forma que eles se protegem fechando o condomínio, em contrapartida eles financiariam — são muitos condomínios — os pórticos para proteger a cidade. Ainda estamos aprimorando isso, não pode ser uma coisa proibitiva nem aumentar cargas de impostos municipais. Tem que ser uma coisa que a população queira fazer e participar.
As UPPs espantaram os criminosos para Niterói?
As estatísticas da Polícia Militar dizem que não. Mas acho que houve, até pelo tipo de ação criminosa que tem ocorrido: violência descabida, inédita para a cidade. Esses bandidos não são daqui. Sempre que acontece alguma coisa no Rio, espirra para Niterói como vinda de camelôs após algumas ações. Se acontece isso com camelôs, vai acontecer com os bandidos.
E o Túnel Charitas-Cafubá, sai ou não sai?
Fizemos uma avaliação e ficou um custo entre R$ 80 milhões, R$ 100 milhões. A Prefeitura não tem este recurso e a gente estava arquivando. Mas vários grupos começaram a se manifestar. Então, já está tudo praticamente pronto para licitar para a iniciativa privada. É claro que ter um túnel sem pedágio é mais simpático para a população. Mas não acho justo quem paga imposto no Barreto financiar um túnel para quem vai para a Região Oceânica. Em qualquer lugar do mundo, quem usa paga. Não vou imaginar que a iniciativa privada vai fazer isso por esporte, tem que ter retorno, tem que ter pedágio.
O que representa o Caminho Niemeyer?
Niterói tem um potencial turístico enorme. Então pensei em criar várias atrações para trazer gente que vai sentir necessidade de ficar mais tempo em Niterói. A escolha do Centro é para a revitalização do bairro. Hoje, a tendência é as pessoas morarem perto do emprego. O Centro é uma parte degradada da cidade e vai se recuperar em seis, sete anos.
É verdade que imóveis serão construídos nos arredores? E a Torre Panorâmica, que custaria cerca de R$ 20 milhões? Quais são as outras novidades?
As duas torres, com hotel e salas comerciais, são de interesse da iniciativa privada. Estão sendo feitas no terreno privado, mas obrigamos a seguir o projeto do Niemeyer. Para a Torre Panorâmica, tínhamos conseguido uma verba do Ministério do Turismo e o restante seria do Governo do Estado. Só que a licitação demorou e seguraram a verba. Este ano, já concluímos o Cinema BR, que em abril vamos lançar a licitação e talvez ainda dê para fazer o Centro de Convenções.
Quando as obras acabam?
Desde o início, sabia que seria uma obra de igreja. Mas depois que visitei a Igreja Sagrada Família, em Barcelona, pensei: não acredito, está longe de acabar e já tem mais de 100 anos. O Caminho é uma obra longa porque a prefeitura não coloca verba ali.
O que fazer para tentar melhorar a Saúde?
Em um dos governos anteriores, municipalizamos dois hospitais, o Orêncio de Freitas (Federal) e o Getulinho (Estadual). Qual era a função da prefeitura? Administrar os hospitais, mas quem pagava os salários era o Estado e a União. Levei um susto quando assumi agora porque, com o passar dos anos, as pessoas foram se aposentando e quem tinha que repor era a prefeitura. O que era para ser só administração se tornou um gasto de mais de R$ 30 milhões por ano. Isso me deu problema porque o meu projeto era cobrir com o médico de família todas as pessoas que não tivessem plano de saúde. O ideal seria devolver, como o Cesar Maia fez no Rio. A responsabilidade da prefeitura é o atendimento básico, hospital é muito caro. Para você construir um hospital, por exemplo, custa R$ 10 milhões ou R$ 15 milhões, chutando um número. Para se manter esta unidade custa R$ 15 milhões por ano.
Seus adversários dizem que o senhor tem uma casa em Miami. É verdade?
Eu fico chateado com essa história porque isso é uma forma de dizer que sou um ladrão. Não sou um ladrão. Não tenho casa em Miami e não tenho recurso para comprar casa em Miami. O que me deixa mais irritado ainda é porque eu acho de extremo mau gosto. Se tivesse dinheiro para ter uma casa fora, não seria em Miami, seria num lugar..., sei lá..., Paris. Só que não tenho nenhuma vontade disso, adoro Niterói, tenho o apartamento onde eu moro. Eu sou tão niteroiense, que minha casa de veraneio é em Itacoatiara (Região Oceânica). Essa coisa de Miami é uma lenda urbana, uma bobagem. Me deixa irritado porque é uma forma indireta de dizer que sou desonesto. A gente trabalha com seriedade, com muita correção. Agora, fico irritado mesmo porque acho Miami muito cafona.
Outra arma dos detratores é dizer que o senhor chega tarde à prefeitura. A que horas o senhor acorda e chega ao gabinete?
O prefeito não trabalha em horário comercial, que entra às 9h e sai às 17h. Ele é prefeito 24h por dia onde estiver. A prefeitura da parede para dentro é uma pressão danada. Se bobear, você só governa da prefeitura para dentro, e o certo é da parede para fora. Se trabalhasse em horário comercial, estaria enganando a população. Quantas vezes já despachei no MAC (Museu de Arte Contemporânea), no Solar do Jambeiro, no meu escritório, em Icaraí. Não tenho nenhuma rotina. Não tenho hora para dormir, nem para acordar. Minha rotina é não ter rotina, mas faço tudo o que tenho que fazer. Falam que não apareço em nada, mas nunca fui de fazer política-espetáculo. Quem tem que aparecer é a prefeitura e não o prefeito. Não sou ator.
Seu slogan é “Um caso de amor com Niterói”. Está na hora de discutir a relação?
Todo caso de amor tem seus momentos de dificuldades. Estamos vivendo um momento de dificuldade, mas as pazes estão a caminho.
O senhor ainda pensa em ser governador?
Eu tinha esse sonho, queria muito ser governador do estado. Mas, quando fui candidato (em 2002), aconteceu um negócio engraçado, percebi que, até a candidatura, eu tinha a obrigação de querer ser governador. Mas, depois que eu fui candidato, passei só a querer ser governador e deixei de ter obrigação, esse compromisso de querer dar continuidade às coisas do ‘velho’ e terminar o mandato que ele não terminou.
Fonte: Jornal O Dia Online
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