Folha de São Paulo - 07/08/2006
Sanguessugas assediaram hospital do Rio por compras
Diretores do Darcy Vargas foram pressionados a aderir ao esquema, mas resistiram
Entidade filantrópica de Rio Bonito, que comprou três ambulâncias, foi procurada por três deputados do PL acusados de integrar máfia
SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A RIO BONITO (RJ)
Um exemplo do modo de operação dos sanguessugas da saúde ocorreu na cidade de Rio Bonito (a 75 km do Rio), onde, por dois anos, a direção do Hospital Darcy Vargas resistiu a investidas de políticos hoje acusados de integrar o esquema.
Em 2003, o hospital, que é filantrópico, soube que o Fundo Nacional de Saúde cadastrava pela internet unidades médicas interessadas em comprar ambulâncias e aparelhos.
Segundo diretores do hospital, o aviso foi dado por um homem que dizia ser assessor do deputado federal Francisco Dornelles (PP-RJ). Ele teria se oferecido para cadastrar o hospital, caso fossem apresentados projetos de compra.
A direção preparou dois projetos. Um, de R$ 320 mil, tratava da aquisição de três ambulâncias UTI. O segundo, de R$ 300 mil, detalhava a compra de equipamentos médicos.
Feito pelo suposto representante de Dornelles, o cadastro foi aprovado. Em 2004, o Ministério da Saúde depositou a verba para o hospital, que deveria providenciar as compras. O assédio político começou aí.
Os diretores contam que, dias depois do depósito, receberam ligação do deputado federal Carlos Nader (PL-RJ), que parabenizou a direção.
O próximo contato foi do deputado federal Reinaldo Gripp (PL-RJ). Sem aviso, foi ao Darcy Vargas com um amigo, a quem apresentou como vendedor de equipamentos. Ao amigo, os diretores disseram para comprar o edital. Antes de sair, Gripp disse que não era necessária a licitação por tratar-se de unidade filantrópica.
Após alguns dias, chegaram ao hospital duas mulheres que diziam representar a bancada fluminense do PL na Câmara. Falaram que a compra não poderia ser feita por licitação porque a bancada já gastara R$ 20 mil para aprovar os projetos.
Coube ao então deputado Bispo Rodrigues (PL-RJ) o contato seguinte. Nenhum diretor quis atender ao telefonema. Àquela altura, achavam que a verba seria retirada. Tinham acertado que não se envolveriam em falcatruas.
Semanas depois, a direção recebeu a visita de um conhecido da região. Ex-funcionário da Prefeitura de Rio Bonito, Nylton Simões Filho apresentou-se como representante da Planam, fornecedora de ambulâncias e suposta líder da máfia.
Ele trazia um modelo de edital. Disse que, para ter as ambulâncias, o hospital teria que seguir o modelo. Caso insistissem em não aderir ao esquema, os diretores seriam responsabilizados pela quebra de um hospital de 45 anos. "Vocês nunca mais terão um tostão de Brasília", ameaçou, segundo o relato dos diretores à Folha.
A direção insistiu nas concorrências. Para ter respaldo legal, convidou o promotor da cidade para a comissão de licitação e conseguiu que o evento fosse na sede local da Justiça.
Doze empresas se habilitaram, entre elas a Planam. A escolha foi por menor preço. A Planam ganhou uma concorrência. Ofereceu R$ 82 mil por uma ambulância furgão, contra R$ 85,27 mil da segunda colocada. As outras duas foram fornecidas pela NV Rio. A Planam concorreu e perdeu, por ter oferecido preços mais altos.
A peça final da resistência foi a assinatura do contrato. A Planam não queria enviar representante. Pediu que o contrato seguisse por correio. A direção se recusou. A contragosto, Luiz Antônio Vedoin foi a Rio Bonito. As ambulâncias chegaram e estão atendendo à população de Rio Bonito -52.015 habitantes em 2004.
Um detalhe da história foi lembrado com ironia pelos cinco diretores que, na quarta-feira, contaram à Folha como resistiram ao esquema. Ao liberar o dinheiro, o Ministério da Saúde convocou reunião no Rio, com representantes de instituições beneficiadas. Conduziu o encontro o então chefe da fiscalização, Jairo Langoni. Em 4 de maio passado, a Justiça de Mato Grosso mandou prender 54 acusados de agir no esquema sanguessuga. Langoni era um dos presos.
Deputado nega saber de alerta e se recusa a falar
DO ENVIADO A RIO BONITO (RJ)
Apontado pela direção do Hospital Darcy Vargas como responsável pelo aviso e cadastramento na compra de ambulâncias e equipamentos, o deputado federal Francisco Dornelles (PP-RJ) não quis falar com a Folha.
A assessoria de imprensa do deputado divulgou que ele desconhece a história de que um assessor teria procurado a direção do hospital para alertar sobre o cadastro. No gabinete na Câmara do deputado Reinaldo Gripp (PL-RJ), funcionários disseram que ele estava no Rio, incomunicável.
O deputado Carlos Nader (PL-RJ) também não foi localizado. Em seu gabinete, um funcionário disse anteontem que ele estava em algum lugar entre Brasília e Barra Mansa, cidade em que mora no Rio.
O ex-deputado Carlos Rodrigues (ex-Bispo Rodrigues) também não deu entrevistas sobre o assunto.
A Folha procurou o lobista Nylton Simões Filho em sua casa, em Itaboraí (região metropolitana). Parentes disseram que ele viajou.
Empresários utilizavam empregados e parentes humildes como "laranjas"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Para montar a rede de empresas e contas usadas para fraudar licitações e pagar propina, os operadores do esquema Sanguessuga usavam como "laranjas" empregadas domésticas, funcionários e até parentes humildes por meio de compra de confiança, ameaças e suborno.
Em um dos casos, a empregada Maria Loedir Lara, 38, foi obrigada a se passar por "madame", dona de uma empresa, perante um auditor da Receita Federal. Hoje, diz que só pensa em esquecer como os ex-patrões a enganaram.
É o que mostram alguns dos cerca de 40 depoimentos à Polícia Federal e à Justiça do Mato Grosso obtidos pela Folha. Os relatos foram colhidos após a operação da PF que desbaratou a quadrilha, em maio. O esquema de compra de ambulâncias superfaturadas teria movimentado mais de R$ 110 milhões desde 2001. A CPI investiga 93 parlamentares.
Três domésticas da família Trevisan-Vedoin disseram que assinavam documentos a pedido de Luiz Antonio por confiar na família. Duas relatam que descobriram que seus nomes eram usados pelo patrão ao serem notificadas pela Receita Federal.
Maria Loedir contou nunca ter visto "tantos zeros" no valor da dívida e que, diante da forte suspeita do fiscal da Receita, teve "vontade de esmurrar o advogado" indicado por Vedoin que a acompanhava e ditava suas respostas.
Procurada ontem, Maria Loedir disse que não tinha como saber que era usada pela quadrilha: "Quando a pessoa é burra, não tem estudo e conhecimento, cai, né?". Ela tem ensino fundamental incompleto e ficou presa por uma noite.
A mãe dela, Enir Rodrigues de Jesus, 58, também era doméstica da família e "proprietária" de empresas do esquema. Segundo ela, os patrões a ameaçavam. Em depoimento, disse ter sido avisada de que "muita gente boa morre porque fala demais".
Os laranjas do esquema incluíam até os parentes humildes de Ronildo Pereira Medeiros, um dos operadores da quadrilha. Lavrador, Manoel Vilela de Medeiros, 74, recebia R$ 500 por mês para cuidar da chácara do filho, Ronildo, e assinava papéis para ele. No depoimento, disse que Ronildo era uma pessoa de bem e não estava envolvido em nada ilegal.
Rodrigo Medeiros de Freitas, 22, conta que aceitou o emprego do tio Ronildo para subir na vida. Acabou virando laranja e mula: emprestou sua conta, da qual fazia até 30 saques por dia, e entregava o dinheiro para um motorista da Planam levar à Câmara dos Deputados. (RANIER BRAGON E LEILA SUWWAN)
FONTE: http://news.tce.sc.gov.br/Aplic/clipping.nsf/$defaultview/D803695FBBEBB8CD832571C3004E55FB?OpenDocument
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