Num Brasil que passava pela flexiblização depois de mais de quinze anos sob repressão da ditadura militar, o evento na fazenda Nossa Senhora da Conceição teve ares de Woodstock, o famoso festival nos Estados Unidos, em 1969. Segundo a previsão de Barbosa, os alienígenas chegariam às 5h20 da manhã daquele sábado. Grupos de amigos saíram de várias cidades e viraram a noite na fazenda, a 135km do Rio, para ver a chegada dos "forasteiros". Ambulantes vendiam cerveja e lanches variados. Dezenas de jornalistas, do Brasil e de outros países, estavam lá para noticiar. Boatos diziam que havia até mesmo pesquisadores da Nasa presentes.
AdO 'porta-voz dos alienígenas' escoltado por policiais após ausência do disco voador | Foto de Luiz Pinto/Agência O GLOBO |
O documentário "Efeito Casimiro" (2014), de Clarice Saliby, exibe imagens de TV da época e entrevistas com pessoas que estavam na fazenda naquela noite. O filme mostra como os presentes estavam felizes simplesmente por estar lá, uma vez que, durante a ditadura, uma reunião como aquela poderia ser vista como subversiva.
Ainda assim, houve frustração quando o público se deu conta de que os alienígenas não chegariam. De acordo com a edição do GLOBO de 9 de março de 1980, Edilcio Barbosa saiu da fazenda dentro de um veículo da Polícia Militar, enquanto a multidão foi embora, enfrentando engarrafamentos quilométricos na BR-101.
Aquele foi um final melancólico para uma aventura que começou semanas antes, quando o autointitulado porta-voz dos extraterrestres apareceu em Casimiro de Abreu procurando o dono da fazenda Nossa Senhora da Conceição e o prefeito local, Celio Serzedas. Ele insistia em dizer que uma nave de Júpiter pousaria na propriedade situada a quatro quilômetros do centro do município, no Norte Fluminense. A previsão ganhou adeptos e se constituiu uma Comissão de Recepção, formada por 30 pessoas. Um campo de pouso foi aberto dentro da fazenda, com proteção garantida pela PM. Ficou determinado que o público e a imprensa não poderiam chegar a menos de 300 metros do local da aterrizagem.
Público vai embora frustrado após perceber que jupiterianos não viriam | Foto de Luiz Pinto/Agência O GLOBO |
A distância tinha explicação cientifica, segundo informou ao GLOBO Manoel Cirne Rocha, integrante da Comissão de Recepção. De acordo com ele, a radiação emitida pela nave, que teria 60 metros de diâmetro e 38 metros de altura, "velaria os filmes de fotógrafos e cinegraflstas a menos de 300 metros". Perto do campo de pouso, só ficariam os membros da comissão e alguns convidados credenciados. O prefeito Célio Serzedas providenciou uma coleção de enciclopédias para presentear a tripulação. O professor Neves Gurgel compôs até um hino-saudação, que dizia: "Vem do Alto o caminho que faz/ Do Cosmos a substância e a luz/ Do planeta do Bem e da paz/Pra ventura a todos conduz".
As pessoas da comissão não tinham dúvida de que o disco voador chegaria. Mas os acontecimentos contrariaram os anúncios de Edílcio Barbosa. Milhares de pessoas passaram a noite sentadas numa colina ouvindo pedidos de silêncio dos organizadores, que proibiram fogueiras e lanternas. Enquanto isso, o "porta-voz dos alienígenas" estava num bugre perto da área reservada para o pouso. Foi ali que ele deu uma entrevista explicando por que a nave de Júpiter não chegou à Terra como prometido. Segundo ele, "o pouso havia fracassado porque havia fracassado porque tinha 40 pessoas deitadas na área, o que levou os jupiterianos a cancelar a descida".
Pessoas fazem vigília durante a noite, esperando a nave de Júpiter | Foto de Luiz Pinto/Agência O GLOBO |
Barbosa disse que não sabia quando ocorreria um "novo contato" ("isso depende deles") e que foram os jupiterianos que escolheram o local. Ele afirmou também que não tinha medo de processo ("não cometi nenhum crime") e alegou que quem requisitou a presença dos policiais e demais funcionários públicos foi o prefeito.
A ausência da nave não estragou a festa para muita gente. Milhares de pessoas viram uma luz amarelada sobre um monte a leste do "campo de pouso", por volta da meia-noite. Muitas se convenceram de que era realmente um "disco voador". Outros partiram para a galhofa, apontando um avião absolutamente normal como o disco. Ou lançando para o ar pratos de papelão, que foram recebidos com aplausos e gritos de "Barbosa, quero meu dinheiro de volta". Enquanto isso, os "especialistas no assunto" criaram uma teoria de que Edilcio criou uma farsa, macomunado com o governo, para que as pessoas parassem de acreditar em alienígenas.
Edilcio Barbosa morreu meses mais tarde, após perder as duas pernas em decorrência de complicações causadas pelo diabetes.
Policiais fazem a segurança do "campo de pouso" na fazenda que receberia o disco voador | Foto de Luiz Pinto/Agência O GLOBO |
Fonte: Jornal O Globo
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