segunda-feira, março 09, 2020

Mais de 10 mil pessoas se reuniram para ver chegada de disco voador em Casimiro de Abreu, há 40 anos

Não se sabe como Edilcio Barbosa conseguiu, mas o até então desconhecido cidadão reuniu mais de dez mil pessoas para assistir à chegada de um disco voador em uma fazenda de Casimiro de Abreu, no interior do Estado do Rio. O episódio ocorreu no dia 8 de março de 1980, há 40 anos. Havia cerca de 300 policiais militares, além de socorristas e controladores de trânsito para dar apoio ao evento. A prefeitura local planejou uma recepção com pompa e circunstância para os alienígenas. No fim das contas, o disco voador não apareceu, é claro, e o cidadão que anunciou a chegada dos "jupiterianos" teve que sair escoltado do local, para evitar confusão.

Num Brasil que passava pela flexiblização depois de mais de quinze anos sob repressão da ditadura militar, o evento na fazenda Nossa Senhora da Conceição teve ares de Woodstock, o famoso festival nos Estados Unidos, em 1969. Segundo a previsão de Barbosa, os alienígenas chegariam às 5h20 da manhã daquele sábado. Grupos de amigos saíram de várias cidades e viraram a noite na fazenda, a 135km do Rio, para ver a chegada dos "forasteiros". Ambulantes vendiam cerveja e lanches variados. Dezenas de jornalistas, do Brasil e de outros países, estavam lá para noticiar. Boatos diziam que havia até mesmo pesquisadores da Nasa presentes.
AdO 'porta-voz dos alienígenas' escoltado por policiais após ausência do disco voador | Foto de Luiz Pinto/Agência O GLOBO

O documentário "Efeito Casimiro" (2014), de Clarice Saliby, exibe imagens de TV da época e entrevistas com pessoas que estavam na fazenda naquela noite. O filme mostra como os presentes estavam felizes simplesmente por estar lá, uma vez que, durante a ditadura, uma reunião como aquela poderia ser vista como subversiva.

Ainda assim, houve frustração quando o público se deu conta de que os alienígenas não chegariam. De acordo com a edição do GLOBO de 9 de março de 1980, Edilcio Barbosa saiu da fazenda dentro de um veículo da Polícia Militar, enquanto a multidão foi embora, enfrentando engarrafamentos quilométricos na BR-101.

Aquele foi um final melancólico para uma aventura que começou semanas antes, quando o autointitulado porta-voz dos extraterrestres apareceu em Casimiro de Abreu procurando o dono da fazenda Nossa Senhora da Conceição e o prefeito local, Celio Serzedas. Ele insistia em dizer que uma nave de Júpiter pousaria na propriedade situada a quatro quilômetros do centro do município, no Norte Fluminense. A previsão ganhou adeptos e se constituiu uma Comissão de Recepção, formada por 30 pessoas. Um campo de pouso foi aberto dentro da fazenda, com proteção garantida pela PM. Ficou determinado que o público e a imprensa não poderiam chegar a menos de 300 metros do local da aterrizagem.

Público vai embora frustrado após perceber que jupiterianos não viriam | Foto de Luiz Pinto/Agência O GLOBO 

A distância tinha explicação cientifica, segundo informou ao GLOBO Manoel Cirne Rocha, integrante da Comissão de Recepção. De acordo com ele, a radiação emitida pela nave, que teria 60 metros de diâmetro e 38 metros de altura, "velaria os filmes de fotógrafos e cinegraflstas a menos de 300 metros". Perto do campo de pouso, só ficariam os membros da comissão e alguns convidados credenciados. O prefeito Célio Serzedas providenciou uma coleção de enciclopédias para presentear a tripulação. O professor Neves Gurgel compôs até um hino-saudação, que dizia: "Vem do Alto o caminho que faz/ Do Cosmos a substância e a luz/ Do planeta do Bem e da paz/Pra ventura a todos conduz".
As pessoas da comissão não tinham dúvida de que o disco voador chegaria. Mas os acontecimentos contrariaram os anúncios de Edílcio Barbosa. Milhares de pessoas passaram a noite sentadas numa colina ouvindo pedidos de silêncio dos organizadores, que proibiram fogueiras e lanternas. Enquanto isso, o "porta-voz dos alienígenas" estava num bugre perto da área reservada para o pouso. Foi ali que ele deu uma entrevista explicando por que a nave de Júpiter não chegou à Terra como prometido. Segundo ele, "o pouso havia fracassado porque havia fracassado porque tinha 40 pessoas deitadas na área, o que levou os jupiterianos a cancelar a descida".

Pessoas fazem vigília durante a noite, esperando a nave de Júpiter | Foto de Luiz Pinto/Agência O GLOBO

 Barbosa disse que não sabia quando ocorreria um "novo contato" ("isso depende deles") e que foram os jupiterianos que escolheram o local. Ele afirmou também que não tinha medo de processo ("não cometi nenhum crime") e alegou que quem requisitou a presença dos policiais e demais funcionários públicos foi o prefeito.

A ausência da nave não estragou a festa para muita gente. Milhares de pessoas viram uma luz amarelada sobre um monte a leste do "campo de pouso", por volta da meia-noite. Muitas se convenceram de que era realmente um "disco voador". Outros partiram para a galhofa, apontando um avião absolutamente normal como o disco. Ou lançando para o ar pratos de papelão, que foram recebidos com aplausos e gritos de "Barbosa, quero meu dinheiro de volta". Enquanto isso, os "especialistas no assunto" criaram uma teoria de que Edilcio criou uma farsa, macomunado com o governo, para que as pessoas parassem de acreditar em alienígenas.

Edilcio Barbosa morreu meses mais tarde, após perder as duas pernas em decorrência de complicações causadas pelo diabetes.

Policiais fazem a segurança do "campo de pouso" na fazenda que receberia o disco voador | Foto de Luiz Pinto/Agência O GLOBO



Fonte: Jornal O Globo

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